A ausência do Pai


 



Luís Bianco - Psicanalista.
Autor do livro Angústia e Ansiedades
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Contato: bianco@edifique.arq.br

 

É inquestionável, a não ser em casos excepcionais, a importância da presença materna no desenvolvimento saudável, para não dizer na sobrevivência, de uma criança. Desde o nascimento tem, essa, o seio da mãe para alimentá-la, e, muito provavelmente, além do alimento, o carinho, o cuidado e o afeto daquela.

Mais adiante, no entanto, para sua inserção social, e mais especificamente, no que se refere às restrições impostas pela vida em sociedade, a criança necessitará da autoridade paterna, que não exclui o aconselhamento, a orientação e, também, o afeto.

Assim, para o desenvolvimento psíquico da criança, a presença daquelas figuras parentais será crucial. Em determinado momento, no entanto, ela deverá desapegar-se da mãe. Caberá, então, ao pai, exercer o seu papel de autoridade impondo os princípios éticos e aqueles do dever.

Se, por um lado, a presença da mãe está, com raras exceções, assegurada nos anos iniciais do novo ser, muitas vezes a do pai, um pouco mais adiante, não se mostra de forma tão evidente e isso pode refletir-se negativamente no psiquismo infantil e ter sérias consequências, inclusive na idade adulta.

Lembrando da observação de Sigmund Freud, criador da Psicanálise, segundo a qual, os poetas e escritores têm o conhecimento das sutilezas da alma humana, podendo, por isso, ser considerados, em muitos casos, como precursores da ciência psicológica[1], valemo-nos, aqui, da manifestação de Albert Camus contida no seu livro, O Primeiro Homem.

Naquela obra, póstuma e autobiográfica, o autor, que não conheceu o pai, morto na guerra, observa, em nota ao pé de página: “Eu próprio tentei descobrir, desde o começo, ainda criança, o que é certo e o que é errado – uma vez que ninguém à minha volta podia me dizer. E, além disso vejo agora que tudo me abandona, que preciso de alguém que me mostre o caminho e me dê censura e elogio, não pelo poder, mas pela autoridade, preciso de meu pai”[2] 

Bastante claro, portanto, o sentimento daquela criatura, a qual, como tantos outros filhos e filhas sem pai, ou com pai ausente, acrescentamos, devem aprender a viver sem lição e sem herança, nas palavras daquele autor.

Afortunadamente, contudo, Albert Camus, se não pode contar com o próprio pai, teve, em seu primeiro professor, uma figura de apoio. Dessa forma, quando recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, escreveu-lhe, no dia seguinte: “Mas quando eu soube da novidade, meu primeiro pensamento, depois de minha mãe, foi para você. Sem você, sem essa mão afetuosa que você estendeu ao menino pobre que eu era, sem seu ensino, sem seu exemplo, nada disso teria acontecido. Eu o abraço com todas as minhas forças”.[3]

Observamos que, para o autor consagrado, muito embora tivesse contado, na infância, com uma mão afetuosa, a questão da orfandade paterna permaneceu sensível durante toda sua vida, uma vez que o manuscrito de O Primeiro Homem, no qual Albert Camus trabalhava na época de sua morte foi encontrado na valise que levava quando do acidente que o vitimou. 

A obra literária corrobora, assim, a afirmação de Freud e aquela outra segundo a qual há, na Psicanálise, abundante evidência de que a ausência paterna pode ter uma maior significância inconsciente do que a presença materna[4].

Como o conteúdo de nosso inconsciente, assim como o daquele autor, não deixa de nos influenciar ao longo de nossas vidas e, sendo, tal inconsciente, a matéria-prima com que trabalha a Psicanálise, está ela credenciada a auxiliar todos aqueles e aquelas, que – por não terem contado com uma mão afetuosa - buscam o alívio de seus traumas e angústias, sejam esses quais forem.


[1] Freud, Sigmund – El delírio y los sueños em La “Gradiva” de W. Jensen – in Obras completas – Biblioteca Nueva – Madrid – 2007 – Tomo II (1905-1915) Traducción de Luis López-Ballesteros y de Torres - pág. 1306.

[2] Albert Camus – O primeiro homem – Editora Nova Fronteira (1994)- Tradução Tereza Bulhões Carvalho da Fonseca e Maria Luiza Newlands Silveira – pág.35.

[3] Albert Camus – op.cit. – pág.307.

[4] Glover Edward – The technique of Psycho- Analysis (1955 – pág. 325)

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