Destino


 



Luís Bianco - Psicanalista.
Autor do livro Angústia e Ansiedades
Atendimento online e presencial
Contato: bianco@edifique.arq.br

 

Há um conto árabe, já narrado por inúmeros autores, segundo o qual, em Bagdá, um comerciante enviou seu ajudante para efetuar compras no mercado. Voltando, logo após, pálido e assustado, tal ajudante disse ao patrão que, esbarrando, naquele local, com alguém que supunha ser uma mulher, verificou que se tratava, na realidade, da morte. Disse que ela lhe havia feito um gesto ameaçador.

Por conta disso pediu ao patrão que lhe emprestasse um cavalo, para galopar para longe, para fugir do destino. Iria para Samarra para que lá, ela não o encontrasse. Após a partida do ajudante, o patrão foi ao mercado e, ali, vendo a morte, perguntou-lhe: “Por que você fez um gesto ameaçador ao meu funcionário, esta manhã?”

A morte lhe respondeu: “Não foi um gesto ameaçador, apenas me espantei. Não esperava vê-lo em Bagdá pois tenho um encontro com ele, esta noite, em Samarra”.

Façamos, aqui, uma pausa e nos perguntemos: o que é o destino? A resposta é, grosso modo: o fato que pode ou não ocorrer, independentemente da vontade de uma pessoa. Pode definir-se, também, como sorte, fortuna. Bom ou ruim, assim parece, não há fuga com relação a ele, como nos mostra o conto árabe.

Desde a antiguidade, para povos bárbaros, a ordem do mundo estaria determinada por um destino impessoal, mais antigo que os deuses e superior a eles. Na mitologia latina, por sua vez, encontramos as Parcas, três divindades do inferno, que fiavam a trama da vida dos seres.

Isso mostra que a imprevisibilidade sempre esteve associada à vida humana. Desde sempre os seres buscaram conhecer, com antecipação, a sorte que lhes estaria reservada. Ocorre que o destino, pode-se supor, é algo inexplicável, ininteligível, algo que se situa além de nossa capacidade de raciocínio.

Tal suposição é justificada pelo fato de que, também as mentes privilegiadas da modernidade se referem a ele de forma, se poderia dizer, reverente. E, aqui, nos atemos a uma delas, a de Sigmund Freud, pai da Psicanálise. Na maior parte de sua obra, aquela palavra inicia-se com maiúscula.

Por exemplo, em seu trabalho, Psicopatologia – IX- Atos sintomáticos e casuais, refere-se às “obscuras potencias do Destino, cujo culto ainda não se extinguiu entre nós”. Também, em outro trabalho, ao mencionar a filha de uma senhora, diz que ela “esperava, ainda, a chegada do marido que o Destino lhe designasse.

Tal reverência não deve causar estranheza, uma vez que a grande criação de Freud está ligada à questão que nos ocupa. Édipo, alertado pelo oráculo de que iria matar o pai e casar-se com a mãe, fugiu, como o personagem do conto árabe, apenas para que fosse cumprido aquele vaticínio. Conforme Pierre Grimal em a Mitologia Grega, Édipo é a figura inesquecível da vítima inocente golpeada pelo Destino.

A despeito, porém, dessa inexorabilidade, Freud nos deixou a mensagem do muito que a Psicanálise tem a oferecer para o melhor enfrentamento contra aquelas “obscuras potencias.”

Assim, é que, uma paciente, ao referir-se à observação que ele lhe havia feito, de que sua enfermidade dependia, provavelmente, de seu destino e circunstâncias, perguntou-lhe como ele, não podendo mudar nada disso, poderia curá-la.

Freud respondeu-lhe: “Não duvido que, para o Destino, seria mais fácil que para mim curá-la, mas você já se convencerá de que nos adiantamos muito se conseguimos transformar sua miséria histérica em um infortúnio corrente. Contra este último você poderá defender-se melhor com um sistema nervoso novamente são.” [1]


[1] Sigmund Freud – Psicoterapia de la histeria – in Obras completas – Traducción de Luis López-Ballesteros y de Torres. Madrid: Biblioteca Nueva – 2007 – Tomo I (1873-1905) - p. 168. Nossa tradução.

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